Ao acaso por aí, subo
as escadinhas e atravesso a ponte pedonal
Leio as confissões de amor escritas sobre o tabuleiro da
ponte
E as declarações de guerra no mesmo lugar
Algumas gravadas há tempos nem o tempo nem a chuva nem o sol
as conseguiu ainda apagar
o pastor encostou-se à parede da casa em ruínas a descansar
a sentir
o calor do astro-rei e as ovelhas andam por ali como num
presépio a destempo
e as cabras treparam à encosta, passa uma mulher, o cão vem
a correr a ladrar
as almas dos fantasmas a viver nas casas esventradas embalam
os ramos dos choupos
à noite, junto ao
regato, juntam ao cantarolar fresco das águas os murmúrios roucos
e afastam da casa sem telhado, sem portas nem janelas os
demónios loucos
o comboio parte às horas em ponto, passa sob o viaduto no
começo da viagem
ao longe, toca o sino baladas saudosas numa qualquer igreja
perdida no monte
se o lago continuar sereno, um espelho límpido, as árvores a
reflectir
os troncos, os ramos, as folhas de pernas para o ar, a imagem
das casas de telhado ao contrário, as pessoas a caminhar de
cabeça invertida
se o comboio seguir sobre os carris sem contratempos
se o sol brilhar sempre, mesmo em dias de nevoeiro
se todos os dias acordar ao teu lado, beijar-te como se cada
beijo fosse o primeiro
se o mundo dentro de nós, fora de nós viver em equilíbrio e
harmonia
cada dia será quase perfeito, e o dia seguinte será
certamente melhor e outro dia
melhor ainda, e contigo ao meu lado, o céu é azul mesmo
cinzento e o mar é belo,
sempre que o barco nos deixe em terra firme.
in
Somos Instantes, Colectânea
O Percurso das Palavras
Papel d'Arroz Editora
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